Fui
desafiado a escrever sobre o tema “orfandade,” por minha querida
amiga/irmãzinha do coração, Gedeane Paiva.
Desafio enorme
pra mim, traduzir em palavras sentimentos e experiências de órfãos, tais como
ela, e outros tantos que conheci e conheço. Certamente não direi tudo e nem
serei capaz de traduzir exatamente, mas farei o que puder para chegar o mais
próximo possível da realidade.
Tive
o privilégio de conhecer e conviver com alguns órfãos na vida. Em 1983 morei um
ano em um internato em Itaituba-PA, e do lado do lar onde morava, tinha outro
onde moravam órfãos. Não conheci a história da maioria deles, sei apenas que havia
alguns irmãos; e uns bem pequenos. Lá também tinha dois gêmeos; talvez os
únicos que conhecia a história, pois eram filhos da filha da minha primeira
professora. Eles viviam em um lar, uma casa preparada para eles. Eram cuidados
por uma jovem moça e mais uma senhora. Eles tinham casa, comida, roupas,
alimentação, escola... mas certamente lhes faltava o mais importante, que eram
seus pais. Reencontrei alguns desses órfãos dez anos depois, na mesma
instituição que cuidou deles a vida inteira. Apenas os gêmeos não estavam mais
lá por que agrediram fisicamente uma pessoa da administração da instituição.
Depois conheci mais algumas pessoas órfãs; ás vezes de pai e mãe e ás vezes de
algum deles; assim como Gedeane, minha amiga de infância que perdera seu pai,
acometido por uma hepatite que ceifou sua vida, e logo depois; pouquíssimo
tempo depois também perdera a mãe e todos os seus irmãos em um trágico acidente
em uma viagem que faziam de Itaituba-PA para Belém-PA. Sobreviventes da
família, apenas Gedeane e a também querida Gessivane, as irmãs que haviam
viajado primeiro. Descrever a dor de quem perde a família quase toda assim tão
rapidamente e tragicamente, não é possível. Seria como tentar fotografar
sentimentos. Por mais que tenhamos uma câmera fotográfica moderna, de lentes
potentes e tecnologia avançada, com zoom super potente, não seria possível. Sei
que a cratera que se abre é enorme, e a dor é talvez insuperável; pois é a dor
da falta, da ausência que nunca mais será suprida de verdade.
Também
conheci uma amiga que me contou sua história em longas conversas; e chamava-se Rosana;
com quem me casei alguns anos depois. Rosana perdera seu pai aos quinze dias de
nascida. Jamais teve o prazer de conviver com a figura paterna, nem mesmo um
pai adotivo.
Eu
mesmo experimentei a dor da orfandade quando meu pai nos deixou em 2003; e
apesar de ter convivido com ele durante muito tempo, e ter boas lembranças da
figura marcante que ele sempre foi, e da sua presença na minha vida e da
importância disso não minha história, sinto muito a sua falta, e por vezes me
pego chorando de saudades dele.
Fato
é que diante da vulnerabilidade do ser humano, a orfandade é mesmo uma
possibilidade para todo filho, e diante disso, precisamos refletir sobre a
realidade em que são inseridos os órfãos tão abruptamente, sem opção de
escolha, sem chance de se prepararem para isso. Aliás; por mais que encaremos a
realidade da possibilidade de tornar-se órfão, impossível preparar-se para tal
realidade. Tão inesperadamente os filhos são introduzidos numa outra realidade,
a de viverem sem um dos pais, ou mesmo sem os dois. Para muitos; talvez a
maioria deles, começa uma trajetória difícil e complicada, de sofrimentos e
humilhações. Os que perderam apenas um dos pais irão conviver com a ausência de
alguém tão importante para vida e a formação. E por mais que o que ficou se esforce,
é impossível suprir a falta de quem se foi; pois pai é apenas pai, e mãe é
muita coisa, mas não pode ser mais do que mãe. Quanto aos que perderam os dois
pais, quando não vão parar em orfanatos á espera de adoção, são amparados por
familiares, que jamais serão capazes de suprir a falta de seus verdadeiros
pais. Passam a conviver como filhos e dividirem o mesmo teto com filhos dos
parentes que os ampararam, mas quase sempre não recebem na mesma proporção o
carinho e os cuidados dos filhos de fato. Na verdade, penso que assim como os
filhos não são preparados para serem órfãos, as pessoas da família, os parentes;
não são preparados para amparar órfãos e dar-lhes todo cuidado, amor e carinho
como se fossem mesmo pais. Infelizmente, para muitos, a figura do órfão
agregado ao convívio do lar como se filho fosse, é uma realidade não escolhida,
não planejada e que se torna para a grande maioria dos familiares que recebem
essa missão, um peso, e não um prazer e um privilégio de ter uma vida carente a
quem tem a oportunidade de fazer o bem, dedicando-lhe tempo, carinho e
amor.
Muitos ainda
lembram que no passado havia a figura do “padrinho”, que era alguém escolhido
pelos pais para cuidar de seus filhos no caso da ausência permanente deles,
ocasionada pela morte. Eu confesso que me agrado da idéia, mas que de verdade
não a conheço na prática, no extremo da situação. De verdade, a idéia que deve
mesmo prevalecer em cada um de nós é a idéia bíblica do amor ao próximo. O amor
que faz planos, mas que refaz os planos para incluir, para agregar a quem
precisa. Amor que ampara, adota e ama como se filho fosse, por que entende que
o peso maior é a falta que o órfão carrega sobre si, e que tê-lo junto e perto
não é apenas o peso de uma responsabilidade a mais; é oportunidade de exercitar
o amor na prática. O amor que entende que filhos são bênçãos dadas por Deus,
sejam biológicos ou não.
Quantos aos
órfãos, com seus inevitáveis traumas, causados pelas perdas e pelas
experiências da vida na realidade dolorosa da falta; é preciso aproveitar o que
lhes for permitido optar. Ser órfão certamente não foi opção e escolha, mas a
vida continua com enormes possibilidades; então é preciso e possível optar. É
preciso optar não carregar o peso de mágoas deixadas por relações difíceis, por
atitudes erradas, cometidas por pessoas mal instruídas, com problemas de
caráter ou pobres de espírito. Acima de tudo é preciso perdoar e livrar-se dos
pesos desnecessários para continuar a vida, ainda que convivendo com a
realidade da falta insuperável, mas acreditando sempre que ser feliz é preciso
e possível, e que vencer e superar limitações impostas muitas vezes apenas e
simplesmente pela condição de órfão, é uma possibilidade muito real e
absolutamente possível, que deve ser
encarada sempre na força do Pai, que ama incondicionalmente e jamais nos deixa
só, Deus. Wanderley tf 23/01/15