domingo, 25 de janeiro de 2015

Eu e ela, quanto de cada?




Eu sou o sol, ela a chuva

Eu a reta, ela a curva

Eu vista limpa, e ela turva

Ela é estrada, eu sou caminho

Ela só vai junto, eu vou sozinho

Eu sofro calado, ela reclama

Eu corro muito, ela anda.

Eu penso e falo, ela desabafa

Eu me seguro, ela desaba

Eu sou a noite, ela a lua

Ela fica, eu vou pra rua.

Eu sou metade, ela é a banda

Eu amo ela, ela me ama.

Wanderley tf 24/01/15

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Orfandade



 



      Fui desafiado a escrever sobre o tema “orfandade,” por minha querida amiga/irmãzinha do coração, Gedeane Paiva.


Desafio enorme pra mim, traduzir em palavras sentimentos e experiências de órfãos, tais como ela, e outros tantos que conheci e conheço. Certamente não direi tudo e nem serei capaz de traduzir exatamente, mas farei o que puder para chegar o mais próximo possível da realidade.


      Tive o privilégio de conhecer e conviver com alguns órfãos na vida. Em 1983 morei um ano em um internato em Itaituba-PA, e do lado do lar onde morava, tinha outro onde moravam órfãos. Não conheci a história da maioria deles, sei apenas que havia alguns irmãos; e uns bem pequenos. Lá também tinha dois gêmeos; talvez os únicos que conhecia a história, pois eram filhos da filha da minha primeira professora. Eles viviam em um lar, uma casa preparada para eles. Eram cuidados por uma jovem moça e mais uma senhora. Eles tinham casa, comida, roupas, alimentação, escola... mas certamente lhes faltava o mais importante, que eram seus pais. Reencontrei alguns desses órfãos dez anos depois, na mesma instituição que cuidou deles a vida inteira. Apenas os gêmeos não estavam mais lá por que agrediram fisicamente uma pessoa da administração da instituição. Depois conheci mais algumas pessoas órfãs; ás vezes de pai e mãe e ás vezes de algum deles; assim como Gedeane, minha amiga de infância que perdera seu pai, acometido por uma hepatite que ceifou sua vida, e logo depois; pouquíssimo tempo depois também perdera a mãe e todos os seus irmãos em um trágico acidente em uma viagem que faziam de Itaituba-PA para Belém-PA. Sobreviventes da família, apenas Gedeane e a também querida Gessivane, as irmãs que haviam viajado primeiro. Descrever a dor de quem perde a família quase toda assim tão rapidamente e tragicamente, não é possível. Seria como tentar fotografar sentimentos. Por mais que tenhamos uma câmera fotográfica moderna, de lentes potentes e tecnologia avançada, com zoom super potente, não seria possível. Sei que a cratera que se abre é enorme, e a dor é talvez insuperável; pois é a dor da falta, da ausência que nunca mais será suprida de verdade.


      Também conheci uma amiga que me contou sua história em longas conversas; e chamava-se Rosana; com quem me casei alguns anos depois. Rosana perdera seu pai aos quinze dias de nascida. Jamais teve o prazer de conviver com a figura paterna, nem mesmo um pai adotivo.


      Eu mesmo experimentei a dor da orfandade quando meu pai nos deixou em 2003; e apesar de ter convivido com ele durante muito tempo, e ter boas lembranças da figura marcante que ele sempre foi, e da sua presença na minha vida e da importância disso não minha história, sinto muito a sua falta, e por vezes me pego chorando de saudades dele.


      Fato é que diante da vulnerabilidade do ser humano, a orfandade é mesmo uma possibilidade para todo filho, e diante disso, precisamos refletir sobre a realidade em que são inseridos os órfãos tão abruptamente, sem opção de escolha, sem chance de se prepararem para isso. Aliás; por mais que encaremos a realidade da possibilidade de tornar-se órfão, impossível preparar-se para tal realidade. Tão inesperadamente os filhos são introduzidos numa outra realidade, a de viverem sem um dos pais, ou mesmo sem os dois. Para muitos; talvez a maioria deles, começa uma trajetória difícil e complicada, de sofrimentos e humilhações. Os que perderam apenas um dos pais irão conviver com a ausência de alguém tão importante para vida e a formação. E por mais que o que ficou se esforce, é impossível suprir a falta de quem se foi; pois pai é apenas pai, e mãe é muita coisa, mas não pode ser mais do que mãe. Quanto aos que perderam os dois pais, quando não vão parar em orfanatos á espera de adoção, são amparados por familiares, que jamais serão capazes de suprir a falta de seus verdadeiros pais. Passam a conviver como filhos e dividirem o mesmo teto com filhos dos parentes que os ampararam, mas quase sempre não recebem na mesma proporção o carinho e os cuidados dos filhos de fato. Na verdade, penso que assim como os filhos não são preparados para serem órfãos, as pessoas da família, os parentes; não são preparados para amparar órfãos e dar-lhes todo cuidado, amor e carinho como se fossem mesmo pais. Infelizmente, para muitos, a figura do órfão agregado ao convívio do lar como se filho fosse, é uma realidade não escolhida, não planejada e que se torna para a grande maioria dos familiares que recebem essa missão, um peso, e não um prazer e um privilégio de ter uma vida carente a quem tem a oportunidade de fazer o bem, dedicando-lhe tempo, carinho e amor.  


Muitos ainda lembram que no passado havia a figura do “padrinho”, que era alguém escolhido pelos pais para cuidar de seus filhos no caso da ausência permanente deles, ocasionada pela morte. Eu confesso que me agrado da idéia, mas que de verdade não a conheço na prática, no extremo da situação. De verdade, a idéia que deve mesmo prevalecer em cada um de nós é a idéia bíblica do amor ao próximo. O amor que faz planos, mas que refaz os planos para incluir, para agregar a quem precisa. Amor que ampara, adota e ama como se filho fosse, por que entende que o peso maior é a falta que o órfão carrega sobre si, e que tê-lo junto e perto não é apenas o peso de uma responsabilidade a mais; é oportunidade de exercitar o amor na prática. O amor que entende que filhos são bênçãos dadas por Deus, sejam biológicos ou não.


Quantos aos órfãos, com seus inevitáveis traumas, causados pelas perdas e pelas experiências da vida na realidade dolorosa da falta; é preciso aproveitar o que lhes for permitido optar. Ser órfão certamente não foi opção e escolha, mas a vida continua com enormes possibilidades; então é preciso e possível optar. É preciso optar não carregar o peso de mágoas deixadas por relações difíceis, por atitudes erradas, cometidas por pessoas mal instruídas, com problemas de caráter ou pobres de espírito. Acima de tudo é preciso perdoar e livrar-se dos pesos desnecessários para continuar a vida, ainda que convivendo com a realidade da falta insuperável, mas acreditando sempre que ser feliz é preciso e possível, e que vencer e superar limitações impostas muitas vezes apenas e simplesmente pela condição de órfão, é uma possibilidade muito real e absolutamente  possível, que deve ser encarada sempre na força do Pai, que ama incondicionalmente e jamais nos deixa só, Deus. Wanderley tf 23/01/15